O câncer na América Latina e Caribe: urgência no planejamento e controle

Foram registrados em todo o mundo, durante o ano de 2019, mais de 18 milhões de novos casos de câncer com 8 milhões de mortes.
Essas informações foram extraídas do Globocan, publicado em 2020 e serviram como base de dados para diversos estudos, incluindo o The Lancet Regional Health-Americas. Piñeros et al. , que usou essas informações para calcular as taxas de incidência e mortalidade na região da América Latina e Caribe, onde se encontram uma população de 685 milhões de pessoas, distribuídas em 32 países, e tem como expectativa de vida variável de 65 a 83 anos.
A região da América Latina e do Caribe compartilham pontos em comum como idioma, miscigenação, desenvolvimento econômico e aspectos culturais. Ao mesmo tempo, a região apresenta variações significativas como geografia, recursos econômicos, velocidade de transição epidemiológica e grande diversidade no acesso ao tratamento e na qualidade da atenção médica oncológica.
A percepção das tendências de mortalidade neste grupo de países permite avaliar os esforços de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento dos milhares de pacientes diagnosticados com câncer todos os anos. É prioritário determinar a epidemiologia dessas doenças para estabelecer políticas e ações de saúde pública que possam contribuir para um melhor controle do câncer nas regiões abordadas.
A análise de Piñeros et al., apresenta as taxas da América Latina e Caribe sobre incidência e mortalidade por tipo de tumor, país e sexo, bem como a evolução da mortalidade nas últimas 4 décadas, comparando-as com taxas de Estados Unidos e Canadá, ambos países altamente desenvolvidos e avançados no sentido de oportunidades de melhorias para as regiões aqui mencionadas. O estudo projeta o crescimento dos índices de câncer na América Latina e Caribe até 2040 e caracteriza como epidemia. Porém, com a dificuldade de colher dados populacionais em algumas regiões (o que inclusive demonstra urgência nessa demanda) foram considerados apenas dados epidemiológicos baseados em taxas de incidência e mortalidade.
Os dados coletados indicam que, assim como em outras regiões do mundo, os tumores mais frequentes são os de próstata, mama, colorretal, pulmão e estômago. Isso representa 48% dos 1,5 milhão de pacientes com diagnóstico de câncer em 2020. Na região da América Latina e Caribe, foram detectadas diferenças importantes na taxa de incidência. Por exemplo, o câncer de pulmão variou até 10 vezes em países como Cuba, Uruguai e Argentina em comparação com a Guiana.
Chama a atenção a alta taxa de mortalidade de tumores malignos associados a infecções como câncer de estômago e colo do útero. Este último mostrou um aumento nas taxas de incidência na Argentina, Brasil e Uruguai, causando a morte de 31.582 mulheres em 2020. Esse achado constitui um importante desafio, considerando o compromisso estabelecido pela Estratégia de Eliminação do Câncer Cervical da OMS para reduzir a incidência dessa neoplasia para 4/100.000.
Hoje sabemos que o espaço para prevenção primária e secundária está ao nosso alcance. A redução do tabagismo pelo aumento do preço do tabaco é fator fundamental para diminuir a incidência de tumores malignos. O controle das infecções associadas ao câncer é contundente, como o papilomavírus humano, o _Helicobacter pylori_ – agente causal de 90% dos casos de câncer de estômago –, bem como as hepatites B e C – agentes causadores do câncer de fígado. Os dois últimos tumores causam a morte de 90.000 pacientes a cada ano.
A América Latina e o Caribe concentraram esforços para organizar programas de triagem para detecção do câncer de colo do útero e mama. Os resultados ainda não são favoráveis devido à baixa cobertura, falta de recursos humanos e insumos necessários para exames diagnósticos, além da lentidão no referenciamento aos centros oncológicos. Se esta região não investir recursos econômicos suficientes e programas de vigilância epidemiológica eficientes não conseguirá alcançar o controle do câncer. A profunda desigualdade de acesso a serviços médicos oncológicos continuará nesses 32 países, e os 2,4 milhões de pacientes com câncer projetados para 2040 por Piñeros et al. será inevitável.
Assim, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) convocou um grupo de especialistas da região para discutir e gerar um Código Latino-Americano e do Caribe Contra o Câncer, analisando as necessidades da região com o objetivo de alcançar o máximo de benefícios no controle dos fatores de risco para seus milhões de habitantes.
Os resultados publicados deste estudo de Piñeros et al. são o melhor instrumento e evidência disponível para desenvolver um plano ideal de prevenção, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos em benefício de milhares de pacientes que lutam diariamente contra o câncer.